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A inconstitucionalidade das leis autorizativas

Written By Guilherme Ap. da Rocha on quarta-feira, 20 de janeiro de 2016 | 10:04

Resumo (Expandido) apresentado no XI Simpósio de Iniciação Científica e VII Encontro de Pós-Graduação da Universidade de Marília - 2015

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS AUTORIZATIVAS

THE (UN)CONSTITUCIONAL AUTHORIZATIVE LAW

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

GUILHERME APARECIDAO DA ROCHA
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR
guilhermejau@gmail.com

DANIEL BARILE DA SILVEIRA
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA – UNIMAR
danielbarile@hotmail.com

RESUMO: A competência do Poder Legislativo Municipal é restrita, notadamente em relação à iniciativa do processo legislativo. A existência de um grande número de matérias de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo é uma característica que tem sido repetida pelos textos constitucionais brasileiros. Para contornar a limitação legislativa, muitos parlamentares utilizam as chamadas leis autorizativas. Estas são espécies normativas elaboradas por parlamentares em assuntos que são de competência exclusiva do Poder Executivo. São leis sem imperatividade, coercibilidade e autorizamento. Argumenta-se, porém, que não são inconstitucionais porque não geram prejuízo. Esta, contudo, é uma premissa equivocada. A presente pesquisa será desenvolvida por meio da utilização do método indutivo, bem como de elementos quantitativos, a partir da aferição empírica de prejuízos gerados à sociedade em decorrência das leis autorizativas. A experiência pode revelar consequências não imaginadas durante o processo legislativo, que não podem ser desconsideradas pelo hipertrófico sistema legislativo nacional.

Palavras-Chave: Leis autorizativas; Inconstitucionalidade; Poder Legislativo Municipal.

ABSTRACT: The competence of the Municipal Legislative Power is restricted, especially with respect to the initiative of the legislative process. The existence of a large number of exclusive competences of head of the Executive Power is a feature that has been repeated by Brazilian constitutions. To get around the legislative limitation, many lawmakers use the so-called authorizative laws. These are normative species developed by parliamentarians on issues that are of exclusive competence of the Executive branch. These laws are not imperative, coercivity and do not allow the injured to get their rights. It is argued, however, that are not unconstitutional because they generate no loss. This, however, is a mistaken premise. This research will be developed through the use of the inductive method, as well as quantitative aspects, from the empirical verification generated losses to society due to the authorizative laws. The experience can reveal unimagined consequences during the legislative process, which can not be disregarded by hypertrophic national legislative system.

Key-Words: Authorizative law; unconstitutionality; Municipal Legislative Power.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho por escopo apresentar uma (re)leitura de um expediente utilizado ao extremo no âmbito do Poder Legislativo brasileiro, notadamente em esfera municipal: as leis autorizativas. Desenvolvido sob o método indutivo e amparado por pesquisa quantitativa, este estudo visa promover a discussão aprofundada do tema, substituindo análises perfunctórias que têm sido apresentadas como justificativas à aprovação de projetos de lei dessa natureza.
Ao desenvolvimento da pesquisa são fundamentais alguns aspectos históricos da evolução constitucional brasileira, especificamente no que tange ao processo de modificação das competências do Poder Legislativo, que culminaram no fortalecimento do Poder Executivo, a partir da outorga competências privativas à iniciativa de projetos de lei sobre variados assuntos.
Amparado por suficiente base cognitiva e constatada a existência da lei autorizativa, será o momento de cogitar da sua ratio essendi: um apelo parlamentar, direto ou indireto, pela devolução de competências essencialmente legislativas e usurpadas pelo Poder Executivo; um mero ato legislativo despreocupado com as consequências sociais que podem ensejar; ou um subterfúgio à avocação de coautoria de obras e programas públicos?
Constatada a ratio essendi das leis autorizativas, a última medida da presente pesquisa será confrontá-la, a partir de dados empíricos, com as consequências geradas à sociedade, de modo a concluir pela sua neutralidade ou prejudicialidade.

DESENVOLVIMENTO

Ao Poder Legislativo compete a função de legislar, sem prejuízo da relevante função de fiscalizar o Poder Executivo, julgando em caráter definitivo a sua prestação de contas mediante o auxílio do Tribunal de Contas. Mas a esta pesquisa interessa, tão somente, a análise da função legislativa.
Não obstante seja do Poder Legislativo a função constitucional de legislar, é certo que a iniciativa do processo legislativo foi compartilhada ou exclusivamente outorgada ao Poder Executivo em relação a vários assuntos, realidade presente na Constituição Federal de 1988 (v.g. art. 61), bem como nos textos de 1934 (v.g. art. 41), 1937 (v.g. art. 64), 1946 (v.g. art. 67), 1967 (v.g. art. 60) e na Emenda Constitucional n.º 1, de 1969 (v.g. art. 57).
O mero fato de existirem competências exclusivas do Poder Executivo já se mostra suficiente ao recebimento de críticas. Sérgio Resende de Barros sugere, nesse contexto, que o texto constitucional seja emendado para que a iniciativa de todas as leis seja outorgada apenas ao Poder Legislativo, medida que devolveria a este Poder a integralidade das funções que lhe são de direito.
No entanto, a necessidade de modificação da Constituição Federal de 1988 não constitui objeto de análise detalhada da presente pesquisa. Sem deixar de concordar com a sugestão encartada por Sérgio Resende de Barros, é certo que a praticabilidade desta solução é (muito) difícil, notadamente em função do protagonismo do Chefe do Poder Executivo, característico da federação brasileira.
Embora a necessidade de modificação do texto constitucional – para devolver ao Poder Legislativo competências que, em essência, lhe pertencem – não seja objeto específico deste trabalho, mostra-se necessário analisar as consequências geradas na legislação brasileira em função da existência de matérias cuja iniciativa é privativamente concedida do Poder Executivo.
Por força do parágrafo primeiro do art. 60 da Constituição Federal de 1988, a iniciativa das leis sobre vários assuntos foi retirada do Poder Legislativo e outorgada com exclusividade ao Presidente da República. Simetricamente, as Constituições dos Estados e as Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal seguem o mesmo modelo[1], tolhendo do Poder Legislativo a iniciativa das leis destinadas à disciplina normativa de algumas matérias, como a criação e a remuneração de cargos públicos da administração direta e autárquica, por exemplo. 
Diante da mencionada redução de competências, parece claro que não se admite a aprovação de lei de iniciativa parlamentar que discipline assunto de competência privativa do Poder Executivo. No entanto, esta é uma questão bem mais complexa. E é nesse contexto que surge a chamada lei autorizativa.
Sérgio Resende de Barros conceitua lei autorizativa como “um expediente usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas”[2]. Este conceito revela uma das possíveis razões que levam à criação da lei autorizativa, mas não a única.
Em muitos casos a lei autorizativa é utilizada como um reclame pela devolução de competências que, em essência, pertencem ao Poder Legislativo. Esse reclame é característico de todas as esferas federativas, mas está presente de maneira mais aguçada nos Municípios.
Nos Municípios, que podem legislar segundo interesses locais[3], a outorga de competências privativas ao Prefeito Municipal reduz intensamente a possibilidade de atuação do vereador. Por isso, ele utiliza a lei autorizativa como forma de expressar dúplice descontentamento: com a escassez de competências legislativas em âmbito municipal; e com a omissão do Prefeito em adotar determinadas políticas públicas.
Outra razão que leva à elaboração da lei autorizativa e que não pode ser desprezada é a despreocupação com a produção normativa. O Estado brasileiro possui, em todas as esferas federativas, a mácula da produção normativa divorciada do compromisso qualitativo. Não é raro identificar a produção normativa baseada apenas na ideia da quantidade.
Independente da ratio essendi que motiva a criação da lei autorizativa ter maior ou menor nobreza, ela não interfere na análise da sua compatibilidade com a Constituição Federal de 1988.
Analisando a estrutura da lei autorizativa, constata-se que ela não goza de três elementos que, como regra, estão presentes em todas as leis: a imperatividade, a coercibilidade e o autorizamento.
O primeiro e principal requisito inerente às leis é a imperatividade, ou seja, a obrigatoriedade. Mas as leis autorizativas não têm a finalidade de criar ou modificar nenhuma situação, pois visam apenas autorizar o chefe do Poder Executivo em matérias que já são da sua alçada por força constitucional. Não se trata, todavia, de mera reiteração de mandamento constitucional, mas de usurpação de competência constituinte, já que não é dado ao parlamentar, por intermédio da lei, outorgar competências ao Poder Executivo. Isso sem mencionar que o poder de conceder competência implica, em contraponto, no poder de retirar competência, como bem ressalta Sérgio Resende de Barros.
Sem imperatividade, a lei autorizativa também não possui elemento algum de coercibilidade. Se a lei não obriga comportamento, também não se presta à aplicação de nenhuma sanção.
Outro elemento ausente na lei autorizativa, cuja ausência tem potencial lesivo à sociedade é o autorizamento. Este requisito não deve ser confundido com a lei autorizativa em si, à medida que a semelhança terminológica é mera coincidência. O autorizamento é a característica que permite ao prejudicado pelo descumprimento da norma que exija sua observância, ou que pleiteie ressarcimento por eventual prejuízo. Utilizando a classificação de Maria H. Diniz quanto ao autorizamento, constata-se que as leis autorizativas são imperfeitas[4].
Não obstante a ausência dos elementos legais mencionados, a lei autorizativa é largamente utilizada pelos legisladores brasileiros em relação aos temas cuja competência para iniciar o processo legislativo não lhes foi constitucionalmente outorgada. Portanto, ela não se presta a nenhuma criação, nem à inovação do ordenamento jurídico, no sentido de gerar algo benéfico. Aliás, o argumento da inocuidade - que implica a ausência de prejuízo, bem como de benefício - tem respaldado a existência das leis autorizativas. Ao argumento de que não se prestam a gerar nenhuma obrigação ao Poder Executivo, as leis autorizativas têm sido admitidas por inúmeras Casas Legislativas brasileiras, entendimento ratificado até mesmo perante algumas esferas do Poder Judiciário.
O terreno fértil à proliferação das leis autorizativas, qual seja, o argumento de que não criam direitos, mas também não os prejudicam, é o ponto cerne da presente pesquisa, que pretende demonstrar empiricamente que elas não são inócuas, pois revelam grave prejuízo à sociedade brasileira.
A lei autorizativa cria a falsa sensação de direito. Na sua maioria, os cidadãos não diferenciam a natureza jurídica das leis publicadas pelos entes federativos. Há o senso comum de que toda lei deve ser cumprida – o que está correto. No entanto, a experiência tem revelado uma face oculta da lei autorizativa, que decorre de um elemento ludibriador inerente à sua essência.
Criado o direito por intermédio da lei autorizativa, o cidadão pensa que pode gozá-lo, e para isso utiliza o seu tempo para pleiteá-lo, até descobrir que a lei que o prevê não será cumprida.
O inconformismo leva ao ajuizamento de ações perante o Poder Judiciário, as quais são levadas à extinção sem a satisfação do direito pretendido pelo cidadão.
A expectativa pelo direito previsto na lei autorizativa, o tempo despendido perante instâncias administrativas e judiciais, além da utilização desnecessária do Poder Judiciário – à medida que o resultado da lide é previsível ab initio – são prejuízos que não podem passar despercebidos.
Além disso, a quantidade de leis autorizativas vigentes nas diferentes esferas federativas brasileiras é grande contribuinte à hipertrofia legislativa brasileira. Nesse sentido, oportuno citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para quem “a multidão de leis afoga o jurista, esmaga o advogado, estonteia o cidadão, desnorteia o juiz”.[5]
Por estes dados, pretende-se apontar que as leis autorizativas não são neutras perante o ordenamento jurídico nacional, mas revelam prejuízo grave à sociedade brasileira, bem como à estrutura do Estado, que dispende tempo e custo com explicações e decisões meramente declaratórias acerca da ausência de imperatividade das leis autorizativas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A presente pesquisa se justifica pela necessidade de exploração aprofundada de uma espécie legislativa sui generis que se desenvolveu no Brasil: a lei autorizativa. Sem desprezar sua ratio essendi, é fundamental analisar suas consequências para o Estado e para a sociedade em geral, superando posicionamentos superficiais e tolerantes.
Além de analisar as razões que levam à produção das leis autorizativas, este estudo será amparado por dados quantitativos, não apenas em relação à existência das leis autorizativas, mas principalmente para demonstração dos conflitos judiciais que foram – desnecessariamente – instaurados perante o Poder Judiciário em decorrência de leis que sequer deveriam existir.
Com isso pretende-se demonstrar a prejudicialidade das leis autorizativas, em contraponto à neutralidade que ainda embasa a sua aprovação em inúmeras Casas Legislativas brasileiras.

CONCLUSÃO
As leis autorizativas revelam um expediente utilizado pelos legisladores brasileiros em todas as esferas federativas, notadamente em âmbito municipal. Elas são utilizadas em razão do tolhimento parcial da competência do Poder Legislativo. São projetos de leis relacionados a temas reservados privativamente ao Poder Executivo.
Como ratio essendi das leis autorizativas, portanto, pode-se apontar: um reclame parlamentar pelo mencionado tolhimento de competências; um puro ato de legislar sem base qualitativa; ou um subterfúgio à avocação de coautoria em obras ou programas públicos.
Independente da razão que motiva a produção das leis autorizativas, é impossível concordar com o argumento de que são neutras perante o ordenamento jurídico. A neutralidade que decorreria da ausência de imperatividade é uma premissa falsa, que não suporta análise aprofundada.
As leis autorizavas criam aparentes direitos, ludibriando a sociedade e gerando a utilização desnecessária de recursos pessoais e materiais em âmbito administrativo e judicial, simplesmente para declarar o que sabe ab initio. Por fim, mas não menos importante, é certo que as leis autorizativas contribuem para a formação de um sistema legislativo hipertrófico.

REFERÊNCIAS
BARROS, Sérgio Resende. Leis autorizativas: leis? In: Revista da AJURIS: doutrina e jurisprudência. Porto Alegre, Ano XXVI, n. 78, p. 275/279, Jun-2000.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35.

JAMPAULO JÚNIOR, João. O processo legislativo municipal: doutrina, jurisprudência e prática. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 81.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.




[1] JAMPAULO JÚNIOR, João. O processo legislativo municipal: doutrina, jurisprudência e prática. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 81.
[2] BARROS, Sérgio Resende. Leis autorizativas: leis? In: Revista da AJURIS: doutrina e jurisprudência. Porto Alegre, Ano XXVI, n. 78, p. 275/279, Jun-2000, p. 278.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 122.
[4] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 347.
[5] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35.
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