Resumo (Expandido) apresentado no XI Simpósio de Iniciação Científica e VII Encontro de Pós-Graduação da Universidade de Marília - 2015
A
(IN)CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS AUTORIZATIVAS
THE (UN)CONSTITUCIONAL AUTHORIZATIVE LAW
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E DIREITOS FUNDAMENTAIS
GUILHERME APARECIDAO DA ROCHA
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR
guilhermejau@gmail.com
DANIEL BARILE DA SILVEIRA
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA – UNIMAR
danielbarile@hotmail.com
RESUMO: A competência do Poder Legislativo
Municipal é restrita, notadamente em relação à iniciativa do processo
legislativo. A existência de um grande número de matérias de competência exclusiva
do chefe do Poder Executivo é uma característica que tem sido repetida pelos
textos constitucionais brasileiros. Para contornar a limitação legislativa,
muitos parlamentares utilizam as chamadas leis autorizativas. Estas são
espécies normativas elaboradas por parlamentares em assuntos que são de
competência exclusiva do Poder Executivo. São leis sem imperatividade,
coercibilidade e autorizamento. Argumenta-se, porém, que não são
inconstitucionais porque não geram prejuízo. Esta, contudo, é uma premissa equivocada.
A presente pesquisa será desenvolvida por meio da utilização do método
indutivo, bem como de elementos quantitativos, a partir da aferição empírica de
prejuízos gerados à sociedade em decorrência das leis autorizativas. A
experiência pode revelar consequências não imaginadas durante o processo
legislativo, que não podem ser desconsideradas pelo hipertrófico sistema
legislativo nacional.
Palavras-Chave: Leis autorizativas;
Inconstitucionalidade; Poder Legislativo Municipal.
ABSTRACT: The competence of the Municipal Legislative Power is
restricted, especially with respect to the initiative of the legislative
process. The existence of a large number of exclusive competences of head of
the Executive Power is a feature that has been repeated by Brazilian
constitutions. To get around the legislative limitation, many lawmakers use the
so-called authorizative laws. These are normative species developed by
parliamentarians on issues that are of exclusive competence of the Executive
branch. These laws are not imperative, coercivity and do not allow the injured
to get their rights. It is argued, however, that are not unconstitutional
because they generate no loss. This, however, is a mistaken premise. This
research will be developed through the use of the inductive method, as well as
quantitative aspects, from the empirical verification generated losses to
society due to the authorizative laws. The experience can reveal unimagined
consequences during the legislative process, which can not be disregarded by hypertrophic
national legislative system.
Key-Words: Authorizative law; unconstitutionality;
Municipal Legislative Power.
INTRODUÇÃO
O
presente trabalho por escopo apresentar uma (re)leitura de um expediente
utilizado ao extremo no âmbito do Poder Legislativo brasileiro, notadamente em esfera
municipal: as leis autorizativas. Desenvolvido sob o método indutivo e amparado
por pesquisa quantitativa, este estudo visa promover a discussão aprofundada do
tema, substituindo análises perfunctórias que têm sido apresentadas como
justificativas à aprovação de projetos de lei dessa natureza.
Ao
desenvolvimento da pesquisa são fundamentais alguns aspectos históricos da
evolução constitucional brasileira, especificamente no que tange ao processo de
modificação das competências do Poder Legislativo, que culminaram no
fortalecimento do Poder Executivo, a partir da outorga competências privativas
à iniciativa de projetos de lei sobre variados assuntos.
Amparado
por suficiente base cognitiva e constatada a existência da lei autorizativa,
será o momento de cogitar da sua ratio
essendi: um apelo parlamentar, direto ou indireto, pela devolução de
competências essencialmente legislativas e usurpadas pelo Poder Executivo; um
mero ato legislativo despreocupado com as consequências sociais que podem
ensejar; ou um subterfúgio à avocação de coautoria de obras e programas
públicos?
Constatada
a ratio essendi das leis
autorizativas, a última medida da presente pesquisa será confrontá-la, a partir
de dados empíricos, com as consequências geradas à sociedade, de modo a
concluir pela sua neutralidade ou prejudicialidade.
DESENVOLVIMENTO
Ao
Poder Legislativo compete a função de legislar, sem prejuízo da relevante
função de fiscalizar o Poder Executivo, julgando em caráter definitivo a sua
prestação de contas mediante o auxílio do Tribunal de Contas. Mas a esta
pesquisa interessa, tão somente, a análise da função legislativa.
Não
obstante seja do Poder Legislativo a função constitucional de legislar, é certo
que a iniciativa do processo legislativo foi compartilhada ou exclusivamente
outorgada ao Poder Executivo em relação a vários assuntos, realidade presente
na Constituição Federal de 1988 (v.g. art.
61), bem como nos textos de 1934 (v.g. art.
41), 1937 (v.g. art. 64), 1946 (v.g. art. 67), 1967 (v.g. art. 60) e na Emenda Constitucional
n.º 1, de 1969 (v.g. art. 57).
O
mero fato de existirem competências exclusivas do Poder Executivo já se mostra
suficiente ao recebimento de críticas. Sérgio Resende de Barros sugere, nesse
contexto, que o texto constitucional seja emendado para que a iniciativa de
todas as leis seja outorgada apenas ao Poder Legislativo, medida que devolveria
a este Poder a integralidade das funções que lhe são de direito.
No
entanto, a necessidade de modificação da Constituição Federal de 1988 não
constitui objeto de análise detalhada da presente pesquisa. Sem deixar de
concordar com a sugestão encartada por Sérgio Resende de Barros, é certo que a
praticabilidade desta solução é (muito) difícil, notadamente em função do protagonismo
do Chefe do Poder Executivo, característico da federação brasileira.
Embora
a necessidade de modificação do texto constitucional – para devolver ao Poder
Legislativo competências que, em essência, lhe pertencem – não seja objeto
específico deste trabalho, mostra-se necessário analisar as consequências
geradas na legislação brasileira em função da existência de matérias cuja iniciativa
é privativamente concedida do Poder Executivo.
Por
força do parágrafo primeiro do art. 60 da Constituição Federal de 1988, a
iniciativa das leis sobre vários assuntos foi retirada do Poder Legislativo e
outorgada com exclusividade ao Presidente da República. Simetricamente, as
Constituições dos Estados e as Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito
Federal seguem o mesmo modelo[1],
tolhendo do Poder Legislativo a iniciativa das leis destinadas à disciplina
normativa de algumas matérias, como a criação e a remuneração de cargos
públicos da administração direta e autárquica, por exemplo.
Diante
da mencionada redução de competências, parece claro que não se admite a
aprovação de lei de iniciativa parlamentar que discipline assunto de
competência privativa do Poder Executivo. No entanto, esta é uma questão bem
mais complexa. E é nesse contexto que surge a chamada lei autorizativa.
Sérgio
Resende de Barros conceitua lei autorizativa como “um expediente usado por
parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou
serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral
matérias administrativas”[2].
Este conceito revela uma das possíveis razões que levam à criação da lei
autorizativa, mas não a única.
Em
muitos casos a lei autorizativa é utilizada como um reclame pela devolução de
competências que, em essência, pertencem ao Poder Legislativo. Esse reclame é
característico de todas as esferas federativas, mas está presente de maneira
mais aguçada nos Municípios.
Nos
Municípios, que podem legislar segundo interesses locais[3],
a outorga de competências privativas ao Prefeito Municipal reduz intensamente a
possibilidade de atuação do vereador. Por isso, ele utiliza a lei autorizativa
como forma de expressar dúplice descontentamento: com a escassez de
competências legislativas em âmbito municipal; e com a omissão do Prefeito em
adotar determinadas políticas públicas.
Outra
razão que leva à elaboração da lei autorizativa e que não pode ser desprezada é
a despreocupação com a produção normativa. O Estado brasileiro possui, em todas
as esferas federativas, a mácula da produção normativa divorciada do
compromisso qualitativo. Não é raro identificar a produção normativa baseada apenas
na ideia da quantidade.
Independente
da ratio essendi que motiva a criação
da lei autorizativa ter maior ou menor nobreza, ela não interfere na análise da
sua compatibilidade com a Constituição Federal de 1988.
Analisando
a estrutura da lei autorizativa, constata-se que ela não goza de três elementos
que, como regra, estão presentes em todas as leis: a imperatividade, a
coercibilidade e o autorizamento.
O
primeiro e principal requisito inerente às leis é a imperatividade, ou seja, a
obrigatoriedade. Mas as leis autorizativas não têm a finalidade de criar ou
modificar nenhuma situação, pois visam apenas autorizar o chefe do Poder
Executivo em matérias que já são da sua alçada por força constitucional. Não se
trata, todavia, de mera reiteração de mandamento constitucional, mas de
usurpação de competência constituinte, já que não é dado ao parlamentar, por
intermédio da lei, outorgar competências ao Poder Executivo. Isso sem mencionar
que o poder de conceder competência implica, em contraponto, no poder de
retirar competência, como bem ressalta Sérgio Resende de Barros.
Sem
imperatividade, a lei autorizativa também não possui elemento algum de
coercibilidade. Se a lei não obriga comportamento, também não se presta à
aplicação de nenhuma sanção.
Outro
elemento ausente na lei autorizativa, cuja ausência tem potencial lesivo à
sociedade é o autorizamento. Este requisito não deve ser confundido com a lei
autorizativa em si, à medida que a semelhança terminológica é mera
coincidência. O autorizamento é a característica que permite ao prejudicado
pelo descumprimento da norma que exija sua observância, ou que pleiteie
ressarcimento por eventual prejuízo. Utilizando a classificação de Maria H.
Diniz quanto ao autorizamento, constata-se que as leis autorizativas são
imperfeitas[4].
Não
obstante a ausência dos elementos legais mencionados, a lei autorizativa é
largamente utilizada pelos legisladores brasileiros em relação aos temas cuja
competência para iniciar o processo legislativo não lhes foi
constitucionalmente outorgada. Portanto, ela não se presta a nenhuma criação,
nem à inovação do ordenamento jurídico, no sentido de gerar algo benéfico.
Aliás, o argumento da inocuidade - que implica a ausência de prejuízo, bem como
de benefício - tem respaldado a existência das leis autorizativas. Ao argumento
de que não se prestam a gerar nenhuma obrigação ao Poder Executivo, as leis
autorizativas têm sido admitidas por inúmeras Casas Legislativas brasileiras,
entendimento ratificado até mesmo perante algumas esferas do Poder Judiciário.
O
terreno fértil à proliferação das leis autorizativas, qual seja, o argumento de
que não criam direitos, mas também não os prejudicam, é o ponto cerne da presente
pesquisa, que pretende demonstrar empiricamente que elas não são inócuas, pois revelam
grave prejuízo à sociedade brasileira.
A
lei autorizativa cria a falsa sensação de direito. Na sua maioria, os cidadãos
não diferenciam a natureza jurídica das leis publicadas pelos entes
federativos. Há o senso comum de que toda lei deve ser cumprida – o que está
correto. No entanto, a experiência tem revelado uma face oculta da lei
autorizativa, que decorre de um elemento ludibriador inerente à sua essência.
Criado
o direito por intermédio da lei autorizativa, o cidadão pensa que pode gozá-lo,
e para isso utiliza o seu tempo para pleiteá-lo, até descobrir que a lei que o
prevê não será cumprida.
O
inconformismo leva ao ajuizamento de ações perante o Poder Judiciário, as quais
são levadas à extinção sem a satisfação do direito pretendido pelo cidadão.
A
expectativa pelo direito previsto na lei autorizativa, o tempo despendido
perante instâncias administrativas e judiciais, além da utilização
desnecessária do Poder Judiciário – à medida que o resultado da lide é
previsível ab initio – são prejuízos
que não podem passar despercebidos.
Além
disso, a quantidade de leis autorizativas vigentes nas diferentes esferas
federativas brasileiras é grande contribuinte à hipertrofia legislativa
brasileira. Nesse sentido, oportuno citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para
quem “a multidão de leis afoga o jurista, esmaga o advogado, estonteia o
cidadão, desnorteia o juiz”.[5]
Por
estes dados, pretende-se apontar que as leis autorizativas não são neutras
perante o ordenamento jurídico nacional, mas revelam prejuízo grave à sociedade
brasileira, bem como à estrutura do Estado, que dispende tempo e custo com
explicações e decisões meramente declaratórias acerca da ausência de imperatividade
das leis autorizativas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A
presente pesquisa se justifica pela necessidade de exploração aprofundada de
uma espécie legislativa sui generis
que se desenvolveu no Brasil: a lei autorizativa. Sem desprezar sua ratio essendi, é fundamental analisar
suas consequências para o Estado e para a sociedade em geral, superando
posicionamentos superficiais e tolerantes.
Além
de analisar as razões que levam à produção das leis autorizativas, este estudo
será amparado por dados quantitativos, não apenas em relação à existência das
leis autorizativas, mas principalmente para demonstração dos conflitos
judiciais que foram – desnecessariamente – instaurados perante o Poder
Judiciário em decorrência de leis que sequer deveriam existir.
Com
isso pretende-se demonstrar a prejudicialidade das leis autorizativas, em
contraponto à neutralidade que ainda embasa a sua aprovação em inúmeras Casas
Legislativas brasileiras.
CONCLUSÃO
As
leis autorizativas revelam um expediente utilizado pelos legisladores
brasileiros em todas as esferas federativas, notadamente em âmbito municipal.
Elas são utilizadas em razão do tolhimento parcial da competência do Poder
Legislativo. São projetos de leis relacionados a temas reservados
privativamente ao Poder Executivo.
Como
ratio essendi das leis autorizativas,
portanto, pode-se apontar: um reclame parlamentar pelo mencionado tolhimento de
competências; um puro ato de legislar sem base qualitativa; ou um subterfúgio à
avocação de coautoria em obras ou programas públicos.
Independente
da razão que motiva a produção das leis autorizativas, é impossível concordar
com o argumento de que são neutras perante o ordenamento jurídico. A
neutralidade que decorreria da ausência de imperatividade é uma premissa falsa,
que não suporta análise aprofundada.
As
leis autorizavas criam aparentes direitos, ludibriando a sociedade e gerando a
utilização desnecessária de recursos pessoais e materiais em âmbito
administrativo e judicial, simplesmente para declarar o que sabe ab initio. Por fim, mas não menos
importante, é certo que as leis autorizativas contribuem para a formação de um
sistema legislativo hipertrófico.
REFERÊNCIAS
BARROS,
Sérgio Resende. Leis autorizativas: leis? In: Revista da AJURIS: doutrina e jurisprudência. Porto Alegre, Ano
XXVI, n. 78, p. 275/279, Jun-2000.
DINIZ,
Maria Helena. Compêndio de introdução à
ciência do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
FERREIRA
FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 35.
JAMPAULO
JÚNIOR, João. O processo legislativo
municipal: doutrina, jurisprudência e prática. 2. ed. Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2009, p. 81.
MEIRELLES,
Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.
16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
[1] JAMPAULO JÚNIOR, João. O
processo legislativo municipal: doutrina, jurisprudência e prática. 2. ed.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 81.
[2] BARROS, Sérgio Resende. Leis autorizativas: leis? In: Revista da AJURIS: doutrina e
jurisprudência. Porto Alegre, Ano XXVI, n. 78, p. 275/279, Jun-2000, p. 278.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 8. ed. São
Paulo: Malheiros, 1996, p. 122.
[4] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito.
3. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 347.
[5] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35.
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